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Poder presidencial de convocar referendos fragiliza a democracia

A pesquisa foi defendida por Ana Tereza Duarte Lima de Barros no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE

CIÊNCIA POLÍTICA |

Por Emilayne Santos

O poder de convocar referendos, quando nas mãos do presidente, embora embasado nos princípios democráticos, pode se transformar num instrumento com vocação autoritária. Isso porque o chefe do Poder Executivo convoca o apoio popular para fazer valer sua vontade, sem que as propostas passem pelo crivo do Poder Legislativo e pelos demais pontos de veto inerentes à democracia. A conclusão consta da dissertação "A armadilha da democracia direta: uma análise qualitativa dos poderes legislativos do presidente na América do Sul", defendida por Ana Tereza Duarte Lima de Barros no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.
 
Para observar a relação entre o referendo e a prática democrática, a autora utilizou a ferramenta Qualitative Comparative Analysis (QCA), um método de análise qualitativo que possibilita comparar um número pequeno ou intermediário de casos, a partir de uma análise de configurações de condições dadas pela teoria. No estudo, foi testado se o referendo, quando convocado pelo presidente, estaria associado a um país com menor nível democrático, ou seja, país classificado como "parcialmente livre". 

Segundo Ana Tereza, as circunstâncias analisadas para se fazer uma relação de causa e efeito foram os poderes presidenciais de veto, decreto e referendo. Esses instrumentos legais foram coletadas a partir dos textos das constituições da América do Sul e confrontados com  o nível de democracia de cada país, esperando-se que, uma vez presentes os pré-requisitos, o resultado apontaria países considerados parcialmente livre. Os dados referentes ao nível de democracia foram coletados no site da Freedom House, organização responsável por elaborar um índice internacional, divulgado anualmente, cujo fim é medir a democracia ao redor do mundo, classificando os países em "livres", parcialmente "livres" e "não livres".

O cruzamento dos dados indicou que o referendo é, justamente, a condição suficiente e necessária para que um país sul-americano seja considerado parcialmente livre pelo índice Freedom House. Ou seja, há relação direta entre poder presidencial para convocar referendos e menor nível democrático. A pesquisa aponta que as demais condições, que foram decreto e veto, não se mostraram relacionadas com o nível democrático das nações, encontrando-se presentes, inclusive, nos países considerados "livres".

No estudo, a Venezuela, o Equador, a Bolívia, a Colômbia e o Paraguai, na qualidade das nações em que o presidente possui a prerrogativa constitucional de convocar os cidadãos para referendos com caráter vinculante, são considerados “parcialmente livres” pelo índice Freedom House. Por sua vez, a Argentina, o Brasil, o Chile, o Peru e o Uruguai estão fortemente associadas à categoria "livres" e não possuem a referida previsão constitucional.

O novo constitucionalismo latino-americano

Em 1999, a Venezuela promulgou uma nova constituição baseada na doutrina constitucional o "Novo Constitucionalismo Latino-Americano". Esse modelo propõe romper com o modelo clássico de democracia representativa, apostando em mesclar a democracia representativa com instrumentos da democracia direta e participativa, tais como o referendo, a consulta, a revocatória de mandato, a iniciativa legislativa e a assembleia cidadã. Com o propósito de melhorar a relação entre os poderes constituinte e constituído, o modelo foi copiado pelo Equador, em 2008, e pela Bolívia, em 2009.


Nas constituições que adotaram o Novo Constitucionalismo Latino-Americano, o presidente possui a faculdade de convocar a população para referendos, enquanto nos países presidencialistas esta prerrogativa cabe ao Legislativo. Para os criadores dessa doutrina constitucional, Viciano Pastor e Martínez Dalmau, este instrumento da democracia direta aprofundaria a democracia, pois acredita-se que o povo é capaz de decidir por si só se determinada proposta deve ser ou não referendada.

Entretanto, os resultados obtidos na dissertação apontam que o presidente, ao ter a faculdade constitucional de convocar os cidadãos através de referendos, tem um enorme poder. Reformas constitucionais tendentes a aumentar o poder presidencial poderiam ser facilmente rechaçadas pelo Legislativo, de forma que "apelar" aos cidadãos se torna extremamente conveniente. 

Exemplo disso, segundo a cientista política Ana Tereza Duarte Lima de Barros, ocorreu no dia 30 de novembro de 2008, quando Hugo Chávez, utilizando-se do poder de referendo conferido ao presidente, convocou os cidadãos da Venezuela para decidirem a respeito da possibilidade de reeleição por tempo indefinido para o cargo de chefe do Executivo (tanto em nível nacional com local). Com 54,86% dos votos a favor e 45,1% contra, Chávez conseguiu aprovar a reforma constitucional que habilitou a reeleição de maneira indefinida. "O caso ilustra bem como o referendo pode servir para que o presidente passe por cima das demais instituições representativas. A reeleição presidencial indefinida seria seguramente rechaçada pelo Legislativo, de modo que apelar aos cidadãos foi extremamente conveniente para o mandatário", defende a pesquisadora.

A autora da dissertação explica também que todos os três países que adotaram o Novo Constitucionalismo - Venezuela, Equador e Bolívia - possuem regimes considerados pouco institucionalizados pelos principais índices internacionais que medem a democracia no mundo. "A Venezuela, em especial, é um país que cada vez mais viola os direitos políticos e as liberdades civis de seus cidadãos, de modo que já não se pode considerar o regime como uma democracia débil ou forma de regime híbrido, mas sim como um regime autoritário", analisa.

Outro fator que interfere na condução dos resultados da convocação dos referendos, segundo Ana Tereza, é o populismo. E, na sua opinião, "apelar diretamente ao 'povo' é uma característica típica dos regimes populistas; o presidente não aceita dividir o poder com as demais instituições e, portanto, resolve apelar diretamente às massas para fazer valer a sua agenda política".

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
(81) 2126.8283
ppgcp@ufpe.br

Ana Tereza Duarte Lima de Barros
anaterezadlb@gmail.com

 

 

Data da última modificação: 25/10/2017, 18:05