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Pesquisadores documentam pela primeira vez um evento de adoção em timbus
O episódio está relatado em recém-publicado artigo científico na revista científica Behaviour
Pesquisadores do Centro Veterinário ProBicho, em São Paulo, e do Laboratório de Mastozoologia da UFPE, no Recife, documentaram, pela primeira vez, um evento de adoção bem sucedido de ninhadas não aparentadas por uma fêmea de timbu que ainda estava amamentando suas próprias crias, em sua bolsa. O episódio está relatado no recém-publicado artigo científico “A successful multiple litter adoption in a nursing southern black-eared opossum, Didelphis aurita (Didelphimorphia, Didelphidae)”, da revista científica Behaviour.
Segundo os autores, o registro é importante porque mostra que estes animais são capazes de comportamentos mais complexos do que se imaginava, e porque abre uma possibilidade para o manejo de ninhadas órfãs que, muitas vezes, são resgatadas por veterinários e entidades de proteção animal quando as mães são encontradas mortas. O estudo aponta que os gambás (como são conhecidos no Sul e Sudeste do Brasil) ou timbus (nome dado a eles no Nordeste) são marsupiais, mais aparentados com os marsupiais australianos do que com os mamíferos placentários, e são tradicionalmente vistos como animais solitários e com comportamentos sociais muito simples e limitados a eventos específicos.
“Ao contrário do que se pensa tradicionalmente, estes animais são capazes de interações sociais mais complexas que achávamos. Estudos anteriores de nosso laboratório já apontavam nessa direção e este achado só vem confirmar que ainda sabemos muito pouco sobre o comportamento deste grupo de marsupiais que representa a maior diversidade de espécies fora da região australiana e que só ocorre nas Américas”, afirma Diego Astúa, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, onde coordena o Laboratório de Mastozoologia, e um dos autores do estudo.
RESGATE | Em dezembro de 2019, uma fêmea ferida e com filhotes na bolsa foi resgatada e trazida para Gabriela Toledo, veterinária e primeira autora do trabalho, para receber os devidos cuidados. Quinze dias depois, outra fêmea foi encontrada morta, com filhotes ainda vivos. Quando Gabriela recebeu os filhotes sabia que precisariam de um nível de cuidado para o qual não havia pessoa disponível e decidiu oferecer os filhotes à fêmea recém-resgatada, já que ela estava ainda amamentando seus filhotes e poderia prover leite aos novos órfãos.
A fêmea aceitou os filhotes que entraram em sua bolsa e completaram seu desenvolvimento com o leite da mãe adotiva. Após dois dias, uma nova ninhada órfã chegou aos cuidados de Gabriela e foi novamente oferecida, e a mãe também os adotou. “Estes resultados são importantes tanto para centros de reabilitação de marsupiais, veterinários, e biólogos como para protetores que, na maioria das vezes, resgatam neonatos e filhotes órfãos, ainda na fase de aleitamento. O aleitamento materno natural, além de prover todos os nutrientes de que um filhote necessita na fase de desenvolvimento, garante uma taxa bastante alta de sucesso, o que não ocorre na mesma proporção em casos de aleitamento artificial”, explica Gabriela.
Episódios de adoção são raros na natureza, mas quando ocorrem são mais conhecidos em mamíferos placentários que têm comportamentos sociais mais complexos, como morcegos, primatas, golfinhos ou roedores sociais. Portanto, este evento não somente é único por documentar a adoção que em marsupiais só era essencialmente conhecido em cangurus, mas por mostrar que uma fêmea é capaz de adotar duas ninhadas diferentes ao mesmo tempo em que cuida da sua.
A pesquisa revela, ainda, que o comportamento dos marsupiais americanos ainda é muito pouco conhecido, e que esta abordagem pode ser usada por veterinários de animais silvestres para cuidar de ninhadas órfãs se houver uma mãe adotiva disponível. “Da mesma forma como ocorre com filhotes de cães e gatos órfãos, é possível contar agora com uma verdadeira mãe de leite também para marsupiais. Este procedimento pode poupar inúmeras vidas, diminuindo significativamente eventuais perdas”, completa Gabriela. Ao final do período de cuidados, a mãe e suas três ninhadas, em plena saúde, foram soltas em uma área de proteção ambiental.
Diego Astúa, que também ensina no Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFPE, explica que os timbus, apesar de muitas pessoas não perceberem, proveem serviços importantes para a população e os ecossistemas em que vivem. Por exemplo, eles são excelentes dispersores das sementes das frutas que comem, por se deslocar por longas distâncias; são predadores naturais de serpentes peçonhentas e escorpiões – sendo, inclusive, imunes ao seu veneno – e, em muitas regiões, auxiliam no controle de doenças transmitidas por carrapatos, já que eles muitas vezes se alimentam dos próprios carrapatos.
Mais informações
Departamento de Zoologia da UFPE
(81) 2126.8353
zoologia@ufpe.br
Professor Diego Astúa
diego.astua@ufpe.br
Gabriela Toledo | Centro Veterinário ProBicho
probicho@probicho.com.br