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Periódico satírico Charlie Hebdo vê o Islã a partir do trauma francês das lutas por emancipação na África
A pesquisa, que analisou as charges produzidas pelo periódico francês entre 2006 e 2015, ainda pontua que o cristianismo e o judaísmo também são alvos do jornal
Por Larissa Valentim
A história é formada a partir do encontro entre diferentes, o que significa dizer que esses contatos foram narrados e descritos; cada ‘eu’ montou a sua versão e descreveu ou representou o ‘outro’ baseado nas suas experiências e perspectivas. Embasado nessa relação eu-outro, Rafael Oliveira Sousa, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFPE (PPGH), analisou as representações do muçulmanos feitas pelo jornal satírico francês Charlie Hebdo e as relacionou com as lutas de descolonização que ocorreram na África durante a segunda metade do século XX.
O resultado do estudo, descrito na dissertação “Estereótipos e representações: a construção da imagem do muçulmano pelo periódico francês Charlie Hebdo, entre os anos de 2006 a 2015”, aponta para uma dura crítica ao jornal. “A luta por autonomia e soberania que se seguiu de 1954 a 1962 causou impacto significativo na moral francesa, perder uma colônia rica e próspera como a Argélia e que esteve sob o seu domínio por mais de um século abalaria profundamente o orgulho da França”, afirma o autor. Para Rafael, “esse trauma se reflete na contemporaneidade e na forma como esses sujeitos remanescentes dessas ex-colônias são tratados dentro da sociedade francesa, ou seja, vistos como cidadãos de segunda classe”.
Na dissertação o autor relata que o passado imperialista francês, durante o século XIX, tem grande “reverberação e influência” na forma como o Charlie Hebdo representa os muçulmanos e ressalta que ser derrotado por africanos, que os franceses acreditavam serem mal armados, sem treinamento e hierarquicamente inferiores aos cidadãos europeus, foi significativamente impactante para a metrópole. O trabalho, orientado pelo professor Antônio Jorge de Siqueira, aponta ainda que os rótulos associados aos muçulmanos são genéricos, ligados à violência e ao terror.
Segundo Rafael Sousa, o periódico francês utiliza-se da liberdade de expressão para “difundir as suas charges, que maculam e atentam sobre o ‘outro’, com base em rótulos genéricos e universalistas”. Ou seja, o Charlie Hebdo usa a liberdade de expressão como forma de constranger e incitar o ódio aos muçulmanos, pois ele explora o medo da figura muçulmana que existe no Ocidente desde 2001, depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.
A pesquisa, que analisou as charges produzidas pelo periódico francês entre 2006 e 2015, ainda pontua que o cristianismo e o judaísmo também são alvos do jornal. “As críticas às religiões apresentam mensagem política, objetivam o riso e a ironia e refletem a postura ateia do periódico”, diz o autor.
O mestre em História afirma que analisar as charges produzidas pelo Charlie Hebdo reveste-se de significativa importância, haja vista que os muçulmanos compõem uma parcela considerável das sociedades francesa e europeia. Rafael também destaca o fato de as charges produzidas pelo periódico serem utilizadas como ‘elementos justificadores’ para os ataques terroristas de 7 de janeiro de 2015.
Para o autor, “a intolerância para com o ‘outro’ é evidenciada cotidianamente; ela se alimenta da ignorância e da desinformação; logo, compreender o passado possibilita buscar estratégias para solucionar questões atuais ou, ao menos, compreendê-las”. E defende que: “É necessário que o direito à livre manifestação seja conduzido de maneira responsável, pois o mesmo não pode ser utilizado como arma para atentar contra a liberdade do ‘outro’”.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em História da UFPE (PPGH)
(81) 2126.8292
Rafael Oliveira Sousa
rafael.cg@hotmail.com