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Mês da Consciência Negra: conheça grupos que trabalham com a temática étnico-racial na UFPE

Há tanto grupos ligados a centros acadêmicos e com participação de professores, quanto coletivos de estudantes

Por Renata do Amaral

A temática étnico-racial é o foco de diversos grupos que atuam na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Um levantamento realizado pelo Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer) recebeu respostas de 27 grupos, dos quais 11 afirmaram desenvolver ações exclusivas sobre as relações étnico-raciais, mas, na prática, o número é maior, pois o formulário recebeu respostas espontâneas e alguns grupos não participaram da enquete. Há tanto grupos ligados a centros acadêmicos e com participação de professores, quanto coletivos de estudantes, sem vínculo a um centro específico.

De acordo com a coordenadora do Núcleo Erer, professora Conceição Reis, o formulário teve como objetivo o levantamento e registro dos grupos, observando suas áreas de atuação e as ações que já estão sendo desenvolvidas por eles na Universidade. Agora, a ideia é traçar estratégias em conjunto e propor atividades de ensino, pesquisa e extensão em favor da promoção de políticas de equidade na UFPE. No Mês da Consciência Negra, conversamos com representantes de três grupos para conhecer suas propostas e desafios.

AYA-SANKOFA – Professor do Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste (CAA), Ivanildo Carvalho é líder do Grupo Aya-Sankofa de Estudos Decoloniais e Afrocentrados em Educação Matemática, cadastrado no diretório de grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 2019. O Aya-Sankofa desenvolve ações de pesquisa e extensão no âmbito do ensino e aprendizagem da matemática e da formação de professores que ensinam matemática.

“Discute temáticas que vão desde a manutenção do legado africano como um conhecimento subalterno e exótico por uma visão eurocentrada do conhecimento até o estudo de práticas didáticas de formação que trinque e desestruture esse referido eurocentrismo, pondo em jogo epistemologias outras, inclusive, no âmbito dos saberes matemáticos. A África é o berço de ouro da matemática e essa compreensão e discussão devem perpassar o chão de aula da matemática”, explica o professor.

Contribuir com a identidade de crianças e adolescentes negros em sala de aula com uma maior representatividade da potência dos saberes africanos e afrodiaspóricos é outro dos objetivos do Aya-Sankofa, que reúne licenciandos, mestrandos e professores da Educação Básica e está vinculado ao curso de Matemática-Licenciatura e ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPGECM), ambos no Campus Caruaru da UFPE.

Ivanildo explica que Aya e Sankofa são símbolos africanos conhecidos como símbolos adinkras. “Aya é símbolo da resistência e Sankofa, do retorno à nossa ancestralidade e aos conhecimentos dos que vieram antes de nós”, afirma. Para ele, um dos principais desafios para uma Educação das Relações Étnico-Raciais é a urgente necessidade de uma revisão curricular. “Há que se mexer na estrutura dos currículos para que seja possível discutirmos formas de combate ao epistemicídio negro e ao racismo estrutural”, defende.

GEO-RAÇA – No Departamento de Ciências Geográficas, no Campus Recife, o Coletivo de Estudos sobre Espaço Geográfico e Relações Étnico-Raciais (Geo-Raça) nasce das inquietações dos estudantes negros de Geografia da UFPE sobre os desafios cotidianos e os problemas do espaço geográfico que ocupam. É o que conta o geógrafo Adalberto Antonio da Mota Correia, mestrando em Geografia e coordenador do coletivo.

“Deparando-se com a condição de ser negro dentro de um espaço com relações que nos posicionam como subalterno nas sociedades pós-coloniais, existem duas posturas, que são referenciadas no instinto básico de sobrevivência humana, já que a nossa sobrevivência é colocada à prova e no limite a todo tempo. Fugir ou lutar? Qual objetivo? Quais as alternativas? Quais os exemplos de sucesso? Quais as estratégias? Quais são os meios? Quais as ações? Em quanto tempo?”, questiona.

“A missão desse grupo é juntar as pistas, os fragmentos da realidade para a construção de possibilidades para o povo negro, a partir de sua posição nos espaços geográficos que ocupa, recuperando noções ancestrais e contemporâneas da relação sociedade-natureza e pensando formas de romper os paradigmas que envolvem ser negro nesses espaços”, frisa Adalberto.

Ele explica que, para atingir esses objetivos, o grupo criou um programa de seminários temáticos com problemas transversais à Geografia e às Relações Étnico-Raciais para viabilizar a formação de sujeitos professores e pesquisadores com subsídios para problematizar questões do mundo real e atual em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Durante a pandemia, os seminários temáticos estão sendo realizados em reuniões on-line.

BAOBÁ – Realizar estudos afrocentrados é a proposta do Grupo Baobá. “Esses estudos são referentes a temáticas étnico-raciais com enfoque na população negra. O nosso objetivo vai para além de debater sobre o conhecimento produzido por uma parcela já tão escanteada na academia, pois também temos o foco de ‘aquilombar’ entre os nossos, fazendo com que o espaço também seja de acolhimento e partilha de afeto”, resume a estudante de Direito Wilayne Kesly Penha de Araújo.

Para ela, é preciso que temas relacionados a questões raciais não fiquem restritos a cadeiras eletivas de certos cursos ou a grupos que constroem dinâmicas acerca do tema, mas se espalhem por toda a Universidade. “Segundo os princípios da semiótica, o não falar já demonstra algo”, afirma Wilayne.

REAFIRMAÇÃO - Para Ivanildo, do Aya-Sankofa, a celebração do mês da Consciência Negra é uma forma de dar maior visibilidade às ações de fortalecimento da identidade do povo negro e da luta contra o racismo. “Acredito que a luta é diária, é o ano todo, dia após dia. O mês vem como um grande celebrar de ações, coletivos, grupos culturais, movimentos sociais, dentre outros, para chamar atenção da sociedade denunciando o racismo estrutural no Brasil”, destaca.

“Incitadas pelo revisionismo histórico e pelo racismo, as pessoas são levadas a acreditar que o genocídio e todas as outras mazelas resultantes do modo colonial de produção do território não passam de contos da carochinha, além de relativizarem ou desconhecerem figuras negras que tiveram papéis importantes na história como Aqualtune, Zumbi dos Palmares, Carolina de Jesus, Luís Gama”, ressalta Adalberto, do Geo-Raça. “Quando falamos em Consciência Negra, trazemos à discussão que em meio milênio de história desse território ainda não somos tratados como humanos.”

“O dia da Consciência Negra é um dia para lembrarmos que eu sou nós. Que nossa existência aqui nesta terra da diáspora é perpassada pela de nossos ancestrais, que carregamos nossa história, nossa cultura e nossos saberes em nossos corpos. E que esses corpos são políticos. É um dia para lembrar que ‘a liberdade é uma luta constante’, nas palavras de Angela Davis”, afirma Adalberto. “É um momento de reafirmar as lutas, conquistas e trabalhos que construímos nos grupos no decorrer do ano”, diz Wilayne, do Grupo Baobá.

LEVANTAMENTO - Entre os grupos que responderam ao levantamento realizado pelo Núcleo Erer, foram identificados 11 que trabalham diretamente com as relações étnico-raciais: Questão Racial e o Marxismo; Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (Nepe); Laboratório de Educação das Relações Étnico-Raciais (Laberer); Coletivo Afronte; Coletivo Akilombar; Grupo Aya-Sankofa de Estudos Decoloniais e Afrocentrados em Educação Matemática; Coletivo de Estudos sobre Espaço Geográfico e Relações Étnico-Raciais (Geo-Raça); Grupo de Pesquisa e Estudos em Geografias Negras e Indígenas (Geni); Grupo de Estudos Discurso, Identidades, Raça e Gênero (Gedirg); Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e Grupo de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, Racismos e Antirracismos na Educação (Gepar).

HISTÓRICO - A coordenação do Núcleo Erer lembra alguns grupos que têm surgido na UFPE com foco na população, história e cultura afro-brasileira, africana, indígena e cigana. Ainda na década de 90, nasceram o Núcleo de Estudos Brasil-África (Neba) e o Nepe. Nos últimos dez anos, foi a vez do Neab, Gepar, Laberer, Grupo Aya-Sankofa de Estudos Decoloniais e Afrocentrados em Educação Matemática, Gedirg, Geni, Grupo de Estudos em História da África Contemporânea (Africa'70) e Instituto de Estudos da África. A partir de 2015, surgiram os grupos estudantis Coletivo Afronte, Coletivo de Juventude Negra Cara Preta, Grupo de Estudos Afrocentrados Baobá, Geo-Raça e Coletivo Akilombar.

Data da última modificação: 26/11/2021, 18:23