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Falta de oportunidades aproxima 43,9% dos jovens de carreiras militares, aponta pesquisa

Crescimento da presença militar na sociedade brasileira motivou estudo da Universidade de Oxford, em parceria com UFSCar, UFPE e UFMG e Cebrap

Com informações da assessoria do projeto

No Brasil, 43,9% dos jovens entre 16 e 26 anos se declaram propensos a buscar carreiras militares. É o que mostra pesquisa realizada entre outubro e novembro de 2021, com aplicação de 2.055 questionários junto à amostra representativa da população brasileira nesta faixa etária. O levantamento foi realizado numa parceria entre a Universidade de Oxford (no Reino Unido); as universidades federais de São Carlos (UFSCar), Pernambuco (UFPE) e Minas Gerais (UFMG); e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Pela UFPE, participa da pesquisa o professor Dalson Figueiredo, do Departamento de Ciência Política.

A pesquisadora Andreza Aruska de Souza Santos, da Oxford School of Global and Area Studies, conta que a motivação para realização do estudo veio do cenário de crescimento da presença militar na sociedade brasileira. Os pesquisadores registram, por exemplo, a existência de mais de 6 mil cargos comissionados no governo federal ocupados por militares em 2021 (18% do total), bem como o crescimento de candidaturas ao legislativo estadual e federal – de 786 para 1.199 entre 2018 e 2020. O aumento mais relevante, entretanto, ocorreu entre os deputados e senadores eleitos – de 14 para 76 no mesmo período (ou 442% a mais em 2020).

“Nas pesquisas que realizo, tive essa percepção de que, entre classes médias e médias baixas, a carreira militar estava se tornando uma opção importante. Encontrava, por exemplo, jovens que, em vez de buscar uma universidade, já começavam fazendo cursos preparatórios para as carreiras militares”, conta a pesquisadora. “Como o Gabriel Feltran trabalha com as periferias urbanas e em contextos relacionados à juventude, conversamos sobre o tema, e ele me disse que também estava vendo as forças armadas e as polícias se tornarem mais populares”, complementa, citando docente do Departamento de Sociologia da UFSCar que também integra o time de pesquisadores.

“Existe hoje um equilíbrio civil-militar muito diferente de governos anteriores. Poderíamos pensar, assim, que uma mudança de governo levaria a alterações nesse cenário, mas a pesquisa mostra um legado para além de questões ideológicas. Ela mostra que questões econômicas podem gerar esse desequilíbrio mais duradouro, o que nos leva à necessidade de pensar em que tipo de oportunidades estamos criando para esses jovens”, aponta a pesquisadora da Universidade de Oxford. “Na pesquisa, vimos que 67,3% dos jovens consideram a oferta de empregos em suas respectivas cidades como baixa, muito baixa ou nenhuma, sendo que esse número é pior entre aqueles que moram no Nordeste (75,9%)”, complementa.

ESTABILIDADE – Para Dalson Figueiredo, professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, a falta de perspectiva econômica e a sensação generalizada de falta de oportunidades são os principais fatores que explicam o interesse dos jovens brasileiros pelas carreiras militares. O pesquisador explica que o jovem brasileiro, quando pensa em ingressar na carreira militar, busca suprir necessidades básicas de alimentação e moradia e está focando na sua estabilidade. A parceria da UFPE na pesquisa foi firmada dentro do Programa Institucional de Internacionalização (Print) da Capes.

“De todas as condicionantes que poderiam explicar o interesse nas carreiras militares – como fatores ideológicos, questões materiais concretas, geracionais, gênero, raça, classe –, os resultados mostram claramente que a tendência a este interesse cresce conforme aumenta a vulnerabilidade dos jovens”, destaca Gabriel Feltran. “Apesar de um discurso do empreendedorismo que inunda o ambiente onde esses jovens circulam, que fomenta a iniciativa individual em oposição a empregos estáveis, eles estão fazendo escolhas bastante racionais, percebendo nas carreiras militares a possibilidade de estabilidade, de crescimento e, também, questões muito básicas, como a garantia de alimentação, em um país em que mais de 33 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar”, complementa.

“Análises preliminares dos dados da pesquisa indicam uma associação inversa entre o interesse pelas carreiras militares e a escolaridade dos pais. Isto reforça nossa hipótese de que esta disposição para ingressar nas Forças Armadas ou na Polícia Militar mantém relação com as condições sociais e econômicas das famílias”, afirma Valéria Cristina de Oliveira, docente no Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG.

Adson Amorim, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, acrescenta que “há pouquíssimas informações disponíveis sobre o ingresso nas carreiras militares, tanto policiais quanto das Forças Armadas, em contraste com dados sobre o crescimento da presença de militares no Legislativo e em cargos comissionados no governo federal”. Para o futuro, os pesquisadores elencam como prioridades o monitoramento do interesse pelas carreiras militares ao longo do tempo, bem como análises que expliquem como a propensão a entrar nessas carreiras influencia a sociedade e suas instituições.

METODOLOGIA - Para realização da pesquisa, foram aplicados – via internet – questionários compostos por 58 itens, junto a 2.055 pessoas de todas as regiões brasileiras, em survey com intervalo de confiança de 95% e erro máximo de 2,2%. Essas questões são vinculadas a oito categorias de análise: propensão a buscar as carreiras militares; percepções sobre essas carreiras; associação a visões e atitudes conservadoras; habilidades e aspirações de trabalho; percepções do mercado de trabalho; perfil sociodemográfico; trajetória escolar e na carreira; e contexto familiar.

Os resultados da pesquisa, bem como o detalhamento da metodologia empregada, estão publicados no artigo “Dataset on the perceptions of Brazilian youth toward a military career post-Covid-19” (em revisão pelos pares). “Um aspecto importante é a disponibilização pública de todos os materiais de replicação (dados originais e scripts computacionais). Dessa forma, qualquer pessoa pode verificar os resultados e reaproveitar as informações em outros projetos de pesquisa”, compartilha Dalson Figueiredo.

Mais informações 
dalsonbritto@yahoo.com.br 
andreza.desouzasantos@lac.ox.ac.uk

Data da última modificação: 30/06/2022, 15:16