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Representação do cangaço em livros didáticos de História se baseia em preceitos importados da Europa

José Ernando de Farias Silva percebeu que obras apresentam elementos da ciência e da cultura eurocêntricas na construção de narrativas históricas

Por Milena Galvão

Visto pelos professores como um manual de conteúdos selecionados que propiciam apoio e auxílio pedagógico, o livro didático pode ser considerado um instrumento que forma a espinha dorsal da aprendizagem. No entanto, o início do sistema educacional brasileiro foi marcado por uma educação excludente, com o intuito de perpetuar os privilégios de uma classe dominante. Diante desse contexto, a dissertação de mestrado desenvolvida por José Ernando de Farias Silva, do Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea (PPGEduc) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), propõe discutir o fenômeno social do cangaço, agregando-o ao sistema de ensino introduzido nos livros didáticos e transmitidos pedagogicamente pelos docentes nas instituições de ensino, a partir da perspectiva do subalterno e da colonialidade.

Na dissertação “A representação do cangaço nos livros didáticos de História do Ensino Médio e Fundamental da rede estadual de Pernambuco: uma abordagem decolonial”, orientada pelo professor Saulo Ferreira Feitosa, o autor explora de que maneira os professores trabalham o tema, a partir das obras didáticas, no ensino escolar do estado de Pernambuco, mais especificamente na cidade de Serra Talhada. “Foram analisados livros didáticos de História previamente selecionados, publicados pelas editoras Moderna, Quinteto, Scipione, FTD e Saraiva Educação. Constatamos que essas obras apresentam elementos da ciência e da cultura eurocêntricas na construção de narrativas históricas. Identificamos conceitos e enunciados que remetem a uma cultura baseada em preceitos sociopolíticos e científicos importados da Europa, invalidando e ocultando outros modos de concepções de mundo e experiências de vida”, explicou José Ernando.

De acordo com o professor, a iniciativa para a pesquisa surgiu através do interesse pelas lentes teóricas do pensamento decolonial e dos estudos pós-coloniais, com as quais teve contato quando ainda era aluno temporário do PPGEduc, do Centro Acadêmico do Agreste (CAA). Nesse contexto, o discente achou interessante dialogar tais teorias com o fenômeno cangaço, bem como com o contexto sociocultural no qual estava inserido. “Abordar o cangaço é falar um pouco de mim e do mundo que me rodeia. Sou natural da região do Pajeú, que fica no sertão pernambucano, terra de Lampião e Antônio Silvino, dois grandes líderes do cangaço. Na minha infância, meu pai me presenteava com cordéis e histórias orais sobre o cangaço, o que despertou minha curiosidade e afinidade com o tema”, relata.

A partir do estudo, o pesquisador destaca ter percebido no cangaço aspectos decoloniais, uma vez que o movimento, mesmo que sem uma consciência coletiva de classe, afrontou a classe dominante local e denunciou, na forma estruturante da sociedade, o lado perverso da modernidade e do capitalismo liberal. Outra grande relevância do trabalho foi identificar como a historiografia tende a privilegiar a cultura hegemônica, a qual está inserida de forma enraizada no conhecimento sistemático escolar, o que, segundo o professor e historiador brasileiro Jaime Pinsky, desmotiva os educandos das classes populares e provoca um desinteresse pela História. “É preciso (re)contar a nossa História do ponto de vista das pessoas comuns que viveram a História, mas que sempre foram silenciadas. Poder contar essa História no ensino escolar é espelhar um pouco a vida de cada educando”, enfatiza Ernando. 

O autor da dissertação notou ainda que, em relação à perspectiva dos professores acerca da condução das obras escolares, o livro didático, apesar de essencial, torna-se inconsistente para o ensino-aprendizagem de seus alunos, necessitando de uma intervenção mais profunda dos docentes, como procurar e fornecer outras fontes de pesquisa.

Além disso, Ernando considera que uma das principais contribuições que esta pesquisa pode oferecer à comunidade escolar é a percepção da educação sistemática como fator de representatividade e transformação social, já que a inclusão de sujeitos e saberes das classes subalternas colabora com a devolução aos educandos da dignidade e da oportunidade de se sentirem parte da construção do conhecimento escolar. “Concluo este curso e ponho um desfecho nesta pesquisa com a convicção de que, enquanto professor e pesquisador, tenho o compromisso de agregar valores e saberes e servir como instrumento de transformação social”, afirma.

Mais informações

Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea
(81) 2103.9179

ppgeducont.caa@ufpe.br

José Ernando de Farias Silva
n.ando.farias18@gmail.com

Data da última modificação: 28/09/2022, 10:39