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Relação familiar está associada ao modo de os adolescentes lidarem com o bullying

A dissertação de mestrado “Apego, autoconsciência e bullying escolar” foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE, a psicóloga Jullyane Jocilene Souza Santos.

Por Emilayne Santos 

A Psicologia aponta que praticante e vítima de bullying apresentam formas particulares de refletir sobre o contato com essa violência, podendo apresentar traumas futuros e, como diferencial para essa repercussão, estão o apego e a autoconsciência. Sendo o apego relacionado ao modo como o sujeito aprendeu a ver a si mesmo e ao outro, e também o modo como ele espera que o outro o veja, enquanto a autoconsciência diz respeito ao nível de disposição para prestar atenção em si mesmo, quer seja de uma maneira reflexiva, quer seja de uma maneira ruminativa. 

Na pesquisa “Apego, autoconsciência e bullying escolar”, defendida como dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da UFPE, a psicóloga Jullyane Jocilene Souza Santos identificou que o adolescente com atributos de personalidade que marcam a disposição para se tornar praticante dessa violência guarda uma relação de apego inseguro, construído no interior de contextos familiares predominantemente pouco unidos. "A influência familiar é contribuinte do surgimento e desenvolvimento do bullying escolar, dado o seu papel definidor na estruturação disposicional da criança para tornar-se um adolescente praticante ou vítima dessa violência", analisa.

O estudo é centrado no desenvolvimento cognitivo com o objetivo de realizar uma análise sobre o caso que alcance uma reflexão mais profunda em relação ao que apregoa a literatura, já que esta se restringe a mostrar uma estreita relação entre a qualidade da vinculação afetiva mãe e criança e o nível de competência social para tornar-se um adolescente vítima ou praticante de bullying. A pesquisa teve como objetivo, ainda, explanar as relações entre a prática e a vitimização do bullying e variáveis externas associadas como tipos de padrões de apego e estilos de reflexão íntima.

Segundo Jullyane, que contou com a orientação do professor Alexsandro Medeiros do Nascimento na busca da compreensão de que fatores psicológicos e sociais levam indivíduos a praticarem essas ações violentas, a incapacidade de se defender é apenas uma possibilidade que caracteriza significativamente o bullying escolar. E, ressalta, "o caráterdesigual da relação, as angústias, medos e ansiedades associados, bem como a repetitividade, a intencionalidade e a agressividade associadas também caracterizam o bullying”. A dissertação caracteriza o bullying pelas ações de ameaça, intimidação, repetição de maldade à exaustão, sendo assim um problema social que precisa ser discutido e combatido. 

DADOS | Para compreender a relação dos adolescentes com o bullying, foi realizada uma pesquisa da qual participaram 293 adolescentes de idades entre 12 e 18 anos, com a aplicação de três escalas psicométricas, quanto à disposição ao bullying; à autoconsciência situacional e quanto a experiências de apego nas relações de amizade. Dentre os relatos colhidos, constam os de adolescentes que querem desistir de ir à escola por sofrerem algum tipo de violência, sofrerem o gosto amargo do preconceito e da perseguição, que apesar de ser recorrente, não é normal, nem deve ser encarado com normalidade. 

A dissertação revela que o bullying não é caracterizado por apenas a ação de um dos lados, mas também uma sucessão de ataques e contra-ataques. Como explica Jullyane Santos, uma das características também associadas ao bullying é quando uma das partes é capaz de se defender. "De uma maneira mais específica, refere-se à categorização das vítimas que, no caso, tem atitude passiva; mas o fato de a vítima passar a também a responder de uma maneira agressiva e abusiva ainda é considerado bullying, motivo pelo qual, a partir da perspectiva de categorização, as vítimas são consideradas agressoras".

ENTREVISTA | Jullyane Santos

”A psicoterapia é a forma mais eficaz de reverter os traumas”

Ascom | A consciência da agressão causa no praticante de bullying algum tipo de culpa, ou este é movido por alguma espécie de apatia?

Jullyane Santos | Sim. Todos os seres humanos apresentam disposição em prestar atenção a si mesmo, autoconsciência. Isto vale para um sujeito praticante de bullying, a partir do momento em que este se percebe como autor da agressão e o que seu comportamento gerou na vítima, ele tende a produzir o sentimento de culpa. Essa culpa pode estar associada à ansiedade, baixa autoestima etc. Enquanto a apatia pode indicar que o sujeito praticante tem baixos níveis de autoconsciência. 

Ascom | Quais características comportamentais são comuns entre agressores praticantes de bullying?

JS | Geralmente são mais velhos que suas vítimas; apresentam dificuldade para lidar com as normas sociais e os limites; caracterizam-se pela superioridade física nos esportes, jogos e brincadeiras e são populares.
 
Ascom | E quanto às vítimas, quais as características comportamentais mais comuns?

JS | Geralmente são passionais e inseguras; isolam-se da maioria ou são rejeitadas; apresentam poucos amigos; dificuldade para se relacionar; apresentam alguma característica (física, atribuição de personalidade, atribuição social) que as diferenciam dos demais; são emocionalmente dependentes, inclusive, de suas figuras parentais.

Ascom | Quais as consequências psicossociais enfrentadas por praticantes de bullying ao longo da vida?

JS | A literatura sobre bullying fala sobre a possibilidade de o sujeito tornar-se um delinquente. O termo delinquente refere-se à prática de comportamentos antissociais. Porém, traços presentes em praticantes de bullying como intolerância a normas e limites, impulsividade e baixo limiar de irritação podem se estender para outras dimensões da vida desse sujeito, como a dimensão profissional, amorosa e social, dificultando, assim, as suas relações.

Ascom | E as consequências enfrentadas pelas vítimas?

JS | As consequências podem variar desde uma depressão até uma baixa autoestima. Há a possibilidade de desenvolver transtorno de ansiedade que pode evoluir para um mutismo (transtorno de ansiedade muito severo). Tais sujeitos podem apresentar dificuldades de socialização que podem se estender durante toda a vida, se não forem cuidadas. Essas dificuldades podem se estender para relações sociais, além daquelas caracteristicamente escolares, como as relações no trabalho e com pares amorosos.

Ascom | Que medidas podem ser adotadas pelas instituições escolares, pela mídia e pelo Estado para prevenir ações de bullying?

JS | O melhor a ser feito nesse sentido é discutir o tema entre os atores escolares para que estes possam tomar medidas de prevenção ao bullying. Também seria importante a articulação do colégio com as famílias dos alunos. O Estado, por sua vez, dedica-se à elaboração de leis que garantam a responsabilização civil dos agressores e o direito das vítimas, embora a primeira lei de combate antibullying (Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015) tenha sido implementada apenas há dois anos.

Ascom | O sentimento de medo e ansiedade gerado pelo bullying é reversível nas vítimas diretas e indiretas da agressão e também dos observadores dessas práticas?

JS | Sim. A psicoterapia é a forma mais eficaz de reverter os traumas.

Ascom | A sua percepção sobre bullying mudou após a execução da dissertação? Se mudou, quais foram as mudanças?

JS | Dedicar-me ao estudo sistemático e aprofundado sobre o tema ampliou a minha compreensão sobre ele, levando-me a desbravar uma engenharia de variáveis associadas, quer sejam de natureza cognitiva, familiar, escolar e, até mesmo, política. Além disso, minha experiência clínica como psicoterapeuta de adolescentes após a conclusão do curso de mestrado oportunizou o trabalho clínico com adolescentes praticantes e vítimas de bullying, bem como com suas respectivas famílias, aliando o conhecimento empírico à teoria desbravada.

Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva
(81) 2126.7331
cognitivaufpe@gmail.com

Jullyane Jocilene Souza Santos
jullyanesouzasantos@gmail.com

Data da última modificação: 02/08/2017, 17:52