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Mulheres soropositivas desconhecem seus direitos reprodutivos e sexuais

O estudo atestou que o atendimento para abordar planejamento familiar, sexualidade e reprodução, realizado individualmente pelos psicólogos do ambulatório, não seguem nenhum planejamento de rotinas para as orientações.

Por Ellen Tavares

Diagnósticos tardios, falta de medicamentos, consultas com grandes intervalos, pouco quantitativo de profissionais de saúde são alguns dos principais fatores que geram impactos na política de saúde pública dirigida a pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil. A situação contribui para a negligência ao cuidado da saúde da mulher, especificamente aos seus direitos sexuais e reprodutivos. Ignorar essa realidade não faz com que ela deixe de existir – pelo contrário, desfavorece o debate sobre o assunto e dificulta que as mulheres soropositivas tenham subsídios para compreender, acessar e exercer esses direitos com livre domínio sobre seu corpo e autonomia para decidir o momento em que deseja engravidar.

Na dissertação “Direitos reprodutivos e direitos sexuais de mulheres vivendo com HIV/aids atendidas em serviço de referência de Recife/PE”, defendida pela assistente social Taciana da Silva, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE, essas práticas foram analisadas à luz do que apregoa o ordenamento jurídico brasileiro. Como conclusão, a autora afirma que, "embora todos os cidadãos e cidadãs tenham direito à saúde sexual e reprodutiva, independente de condição sorológica, os direitos das mulheres com HIV/aids nem sempre são reconhecidos e priorizados nas políticas e nos programas de saúde pública”.

Na pesquisa, Taciana analisou as práticas de saúde relacionadas ao acesso de mulheres soropositivas aos seus direitos reprodutivos, e as estratégias adotadas pelo serviço de referência para que elas exerçam o direito de escolha da maternidade de maneira saudável. De acordo com a pesquisadora, para a maioria dos profissionais de saúde, a gravidez no contexto da infecção pelo HIV/aids é um tema ainda polêmico. “Mesmo com avanços tecnológicos no tratamento com antirretrovirais, que trouxe possibilidade de ter filhos entre casais soro-concordantes (quando os dois têm o vírus) ou soro-diferentes (quando apenas um tem o vírus), na prática ainda há uma série de contradições na sua efetivação”, atesta.

Segundo a autora do estudo, além da garantia do tratamento antirretroviral, é necessário o acesso a medicamentos para doenças oportunistas e, sobretudo, a ampliação do acesso a especialistas. “Eles [especialistas] têm uma importante participação na vida da pessoa em tratamento, principalmente para mulheres de baixa renda e escolaridade, pois elas confiam mais no profissional e recorrem a ele para sanar suas dúvidas”, destaca. A partir da pesquisa, baseada em entrevistas com médicos e pacientes, ficou constatado que a postura desse profissional é importante e deve garantir os direitos da mulher considerando riscos e benefícios e não de decidir por ela, para que ela não “mate” esse desejo (de ser mãe) ou o realize de qualquer jeito.

ENTREVISTAS – Para produzir a dissertação, orientada pela professora Raquel Cavalcante Soares, Taciana realizou um trabalho de campo no Serviço de Atenção Especializada (SAE) do Hospital Correia Picanço, localizado na zona norte do Recife, unidade de referência por oferecer atendimento especializado para pessoas vivendo com HIV/aids. Nas entrevistas com os profissionais, a pesquisadora identificou que a maioria desconhece os direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, embora ocorra a preocupação em orientá-las sobre métodos contraceptivos e de reprodução. “Outra dificuldade apontada por esses profissionais foi a alta demanda de atendimentos em relação ao número de profissionais, reflexo da atual situação da saúde pública brasileira de precarização, subfinanciamento, privatização”, aponta.

Também foram abordadas no ambulatório e participaram do grupo focal da pesquisa sete mulheres entre 23 e 49 anos (faixa etária de mulheres com HIV/aids, segundo a tendência nacional). Nenhuma delas concluiu o Ensino Médio, quatro delas pararam os estudos antes mesmo de concluir o Ensino Fundamental e não demonstraram interesse em retomar. De acordo com Taciana, no grupo focal, ficou nítido o desconhecimento das mulheres sobre seus direitos reprodutivos e direitos sexuais, refletidos em práticas inseguras de prevenção que interferem em suas vidas, saúde e decisões com relação à sexualidade e à reprodução.

OPINIÃO – “Não estou querendo dizer que toda mulher soropositiva deva engravidar, mas que a questão deve ser problematizada abertamente com ela e seu parceiro. Por isso, ela deve ter acesso ao lugar certo para se informar sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, não devendo ficar restritos às técnicas de prevenção da transmissão da doença”, afirma Taciana. As entrevistas, segundo a autora, revelaram a necessidade de contratação de mais profissionais para dar conta da demanda existente e, assim, melhorar e agilizar o atendimento, e, sobretudo, capacitação para enfrentar as atuais contradições e tendências da epidemia, principalmente para a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres soropositivas.

No intuito de diminuir o momento de fragilidade que o diagnóstico causa, o atendimento do Serviço Social é importante no ambulatório. “Muitas vezes, o médico não consegue dar o acolhimento necessário à situação imediata; nós explicamos o que é o vírus, que elas não devem se sentir diferentes ou culpadas, que qualquer pessoa está sujeita a isso, em caso de relações sexuais desprotegidas”, afirma uma assistente social do ambulatório. Para ela, o estigma da doença melhorou, pelo fato de que mulheres em relacionamentos estáveis também contraem o vírus, diferente do início da epidemia, quando apenas quem tinha vários parceiros era afetada. “Na verdade, percebemos ao longo desta pesquisa que as mulheres em relações estáveis não se veem em risco e por isso não se previnem, o que gera uma falsa segurança para elas”, diz a pesquisadora.

O estudo atestou que o atendimento para abordar planejamento familiar, sexualidade e reprodução, realizado individualmente pelos psicólogos do ambulatório, não seguem nenhum planejamento de rotinas para as orientações. “Eles procuram conversar com as mulheres HIV+ que querem engravidar para que considerem tudo, se preparem física e emocionalmente, até porque não será possível amamentar o bebê e isso gera um desgaste emocional, de ter que se explicar para família e parceiro que desconhecem sua sorologia”, afirma Taciana.

“Compreender os direitos sexuais e direitos reprodutivos vai além da garantia de prevenção e gravidez”

 

Por direitos sexuais entende-se a livre expressão e a vivência da sexualidade sem violência, discriminações e imposições e respeito pleno pelo corpo do parceiro. Os direitos reprodutivos são concebidos como o direito das pessoas sobre a decisão, livre e responsável, de ter ou não filhos, como também o número de filhos e em que momento de suas vidas a mulher os deseja. As políticas sociais para enfrentamento da crescente epidemia de aids desde o início da década de 1980 foram centradas no controle epidemiológico e na prevenção. No entanto, com o aumento expressivo de mulheres com HIV/aids, a partir da década de 1990, a luta por direitos sexuais e direitos reprodutivos foi extensiva às mulheres vivendo com o vírus, dentre elas as relativas à sexualidade e à reprodução.

O acesso ao tratamento antirretroviral e a uma equipe multiprofissional especializada em HIV/aids não é garantia de qualidade de vida para as pessoas vivendo com o vírus, principalmente, para as mulheres que estão inseridas em um contexto de pobreza, desigualdade de gênero e privação de saúde integral e de direitos sexuais e direitos reprodutivos. As tendências da política de saúde brasileira na atualidade expressam bem as necessidades do capital de investimento na área dos serviços de saúde seja por fora do SUS, via mercado expressamente privado e mercantilizado – com planos e seguros saúde, redes de hospitais privados, rede de farmácias, indústria medicamentosa e de equipamentos de saúde.

Compreender os direitos sexuais e direitos reprodutivos vai além da garantia de prevenção e gravidez. Mulheres após aquisição de informações têm melhores condições para ter autonomia sobre suas vidas e fazer escolhas sexuais e reprodutivas de uma forma mais consciente. “É importante que as mulheres participem de espaços de controle social de políticas públicas. O diálogo aberto proporcionaria às mulheres o exercício de seus direitos e traria projetos de vida e felicidade”, afirma a pesquisadora Taciana da Silva.

 

 

Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(81) 2126.8374
pssocialufpe@yahoo.com.br

Taciana Silva
tacianamss@hotmail.com

Data da última modificação: 15/06/2017, 22:54