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Coordenadoras do Núcleo Erer, Laberer e Gepar falam sobre o Dia da Consciência Negra

Data relembra Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares e referência histórica na luta do movimento negro

Por Renata do Amaral

Na véspera do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, a Assessoria de Comunicação (Ascom) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) conversou sobre a data, as ações em andamento e os desafios a enfrentar com as coordenadoras do Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais (Núcleo Erer), Conceição Reis; do Laboratório de Educação das Relações Étnico-Raciais (Laberer), Elizama Messias; e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Autobiografias, Racismos e Antirracismos na Educação (Gepar), Auxiliadora Martins.

A professora Auxiliadora destaca que, além de celebrar Zumbi, é importante rememorar o idealizador da data, o poeta, professor e pesquisador gaúcho Oliveira Silveira, que integra o panteão dos intelectuais negros do país. “Ele é importante por colocar Zumbi e o Quilombo dos Palmares, maior quilombo do país, que deu refúgio a 30 mil negros e negras, no lugar do empoderamento e da visibilidade, posições historicamente negadas à população afro-brasileira de origem preta e pobre”, explica. Confira abaixo as entrevistas.

Conceição Reis, coordenadora do Núcleo Erer

Qual a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra?

Consciência Negra pode significar a percepção da pessoa negra em relação às suas raízes culturais e históricas e suas condições sociais e pertencimento racial, como também representa a necessidade de percepção, de todas as pessoas, da situação de desigualdade em que vivem os descendentes dos escravizados nesse Brasil.

São essas as consciências negras que a data vem nos despertar. Trazer como reflexão a importância do povo negro, a história e cultura africana e afro-brasileira na construção do nosso país.

Para nós, vivenciar o Novembro Negro dentro de uma instituição acadêmica é se comprometer com o combate ao racismo estrutural e institucional, é reivindicar espaço nos currículos de pós-graduação e graduação para que repensem o eurocentrismo acadêmico; é promover e sensibilizar o despertar de práticas pedagógicas antirracistas, é chamar o outro e a outra para a luta coletiva e diária de combate à discriminação racial e promoção da igualdade.

O Dia da Consciência Negra, na verdade, é um dia para analisar o momento em que estamos no que se refere à conscientização étnico-racial, às políticas públicas para a população negra e aos desafios que ainda precisamos enfrentar para fortalecer o combate ao racismo.

Como a senhora avalia o primeiro ano de atividades do Núcleo Erer?

Avalio que foi um ano muito produtivo. Apesar de apenas um ano e de um período pandêmico, realizamos muitas ações afirmativas na UFPE que marcam a existência de um núcleo que pensa, planeja e encaminha políticas que favorecem a relação de todas as raças e etnias dentro da UFPE.

Ao sistematizar o relatório de um ano, contabilizamos mais de 50 ações incluindo formação, pesquisas, projetos de extensão, resoluções, comunicação e informação nas redes sociais. Contamos com o engajamento e compromisso dos diversos setores de gestão da UFPE para a implantação dessas ações afirmativas que, na nossa avaliação, estavam com 75 anos de atraso na instituição.

Qual o principal desafio para a Educação das Relações Étnico-Raciais na UFPE?

O principal desafio para a Educação das Relações Étnico-Raciais na UFPE é conseguir interferir em posturas e concepções históricas de mais de 2.500 docentes, 3.840 servidores e 28.989 estudantes, distribuídos em três campi, para refletirem sobre a forma como o racismo se estrutura e se manifesta nas relações com a outra pessoa, na sociedade, na instituição UFPE e, assim, repensarem outras práticas sociais, políticas e pedagógicas possíveis.

O cenário político nacional negacionista em nada nos ajuda para a superação desse desafio, mas contamos com pessoas comprometidas com uma educação antirracista na UFPE para continuarmos firmes e propositivos. Avaliamos que a formação é o principal eixo para a mudança que almejamos.

Elizama Messias, coordenadora do Laberer

Qual a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra?

A celebração do Dia da Consciência Negra tem uma grande importância por trazer à memória de Zumbi dos Palmares e com ela a memória da luta de hoje e de ontem através de nossos ancestrais. A instituição desta data também marca a potente atuação do Movimento Negro contemporâneo, que vem se consolidando a partir da década de 1970 como ponto de inflexão na política pública, com ênfase na política educacional.

Quais foram as principais ações promovidas pelo Laberer no último ano?

Enquanto programa de extensão, o Laberer tem sido uma força tarefa de promoção da Consciência Negra o ano todo, apesar do contexto adverso de isolamento social causado pela pandemia da covid-19. O laboratório vem reunindo virtualmente estudantes, pesquisadore/as, professores/as, integrantes dos movimentos negros, dentre outros, e promovendo diversas ações que passam por oficinas, cursos, webnários, lives, editais artísticos, produção de vídeos e de podcasts. Com isso, vem ampliando as redes e os diálogos com grupos e pessoas de várias localidades, fazendo valer o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão tão caro à universidade pública. Com estas ações, o laboratório vem articulando temáticas como arte, educação das relações étnico raciais, autorias negras, produção cultural, saúde da população negra, dentre outros, tendo como suporte teórico-metodológico a Teoria da Afrocentricidade.

Qual o principal desafio para a Educação das Relações Étnico-Raciais na UFPE?

São muitos desafios que têm a ver com a história da sociedade brasileira, que é imbricada com o racismo estrutural. Neste sentido, as ações requerem um compromisso permanente na realização de políticas públicas muito bem planejadas e coordenadas que possam trazer impactos a curto, médio e longo prazos. Pensando nisso, vejo como principais desafios a implementação do plano de combate ao racismo institucional como uma política incorporada ao funcionamento das diferentes instâncias administrativas e de produção de conhecimento. Outro desafio é a articulação e o diálogo com os diferentes grupos que compõem o Movimento Negro dentro e fora da Universidade a fim de construir uma unidade de ação na luta contra o racismo.

Auxiliadora Martins, coordenadora do Gepar

Qual a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra?

Datas comemorativas são datas elegidas para recordar fatos históricos, conquistas relevantes ou lutas que foram ou ainda estão sendo travadas por um grupo populacional. De acordo com a relevância da data para o país em questão, o governo decreta feriado ou ponto facultativo. Dessa forma, adotar datas comemorativas se constitui numa experiência universal, ou seja, de todos e todas.

O mês, semana e dia da consciência negra tem por objetivo homenagear o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, símbolo da resistência negra no Brasil, assassinado em uma armadilha pelas tropas coloniais brasileiras em 1695, depois de contínuas investidas ao quilombo dos Palmares, que durou 90 anos. Morto, Zumbi teve sua cabeça exposta em praça pública.

A comemoração tornou-se forte em 1978, sob o surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo, com capilaridade em vários estados do país, o que tornou a data nacional. As demandas do MNU por reconhecimento, reparação e formulação de políticas públicas de redução das desigualdades entre negros e brancos junto ao Estado brasileiro fez com que Zumbi integrasse o livro dos heróis da pátria, no panteão da Pátria e da Liberdade.

A data se contrapõe ao dia 13 de maio, avaliado como dia de uma falsa abolição, considerando que aos ex-escravos e escravas não foram oferecidas condições dignas de sobrevivência, uma vez que foram “libertos” sem habitação, terra, sementes para plantar ou trabalho que lhes garantisse um futuro. E as consequências desses fatos são visíveis até hoje quando comparamos os dados estatísticos largamente difundidos pelo IBGE, Ipea, Índice de Gini, que mostram desigualdades profundas entre negros e brancos da população brasileira.

Quais foram as principais ações promovidas pelo Gepar no último ano?

O Gepar é ao mesmo tempo um grupo e um programa de extensão, que venceu o Pibex 2021 e oferece inúmeras possibilidades e oportunidades para os estudantes de origem preta, pobre e periférica que acessam a Universidade através das cotas sociais e étnico-raciais.

Realizamos reuniões quinzenais para estudar autores e autoras que não se encontram com facilidade nas bibliotecas dos centros da Universidade, com uma base que não é eurocêntrica, brancocêntrica, machocêntrica e cristã. Trazemos autores e autoras de origem africana e afrodescendente para o debate acerca da construção do conhecimento científico.

Quem é branco, ao estudar Michel Foucault e Norbert Elias, se autoidentifica, mas quem é negro vai ficar pensando que pessoas negras não têm condições nem capacidade para estar na universidade e produzir conhecimento científico porque não tem referências de pessoas negras.

É necessário que se façam reformas e mudanças profundas para que as pessoas que vêm dos altos, córregos e morros dos bairros periféricos possam sentir que fazem parte dessa Universidade e que são importantes e capazes de pensar, escrever e fazer produção científica de ponta.

Do ponto de vista da cultura, também há um movimento muito rico e importante no Gepar. Criamos e realizamos anualmente o festival de dança “Quando danço, encanto”, o festival de música “A vez da minha voz”, o festival de cinema negro Geparwood. Produzimos vídeos documentários que discutem como esses estudantes pretos e pretas de origem periférica se sentem diante da realidade de uma Universidade que foi criada por uma elite para atender aos interesses da própria elite.

Algumas das outras ações do Gepar são a Rede de Afroempreendedores de Pernambuco (Raepe), em uma parceria com o Sebrae; a Feira Umba dos Pretos Negócios, realizada de forma virtual durante a pandemia; a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao babalorixá pai Ivo de Xambá; e o curso de extensão “Figuras: uma tradição do Cavalo Marinho Boi Pintado”. 

Qual o principal desafio para a Educação das Relações Étnico-Raciais na UFPE?

Atuo como professora no Centro de Educação e percebo que, até os dias de hoje, não há uma disciplina obrigatória, entre as 54 disciplinas do curso de Pedagogia, que trate de Educação das Relações Étnico-Raciais, muito embora exista, desde 2003, a lei que orienta escolas públicas e privadas a ensinar história e cultura afrobrasileira e africana.

Se estamos formando professores e professoras que vão atuar no chão da escola, que vão realizar concursos públicos, esses conhecimentos serão exigidos. Como eles vão dar conta desses conhecimentos? A Educação das Relações Étnico-Raciais existe apenas como eletiva, então cursa quem quer. É urgente a reforma do curso e suas diretrizes para atender a esses dispositivos legais. Essa justiça curricular já passou do tempo de ser feita.

Data da última modificação: 19/11/2021, 15:57